Uma costura de conexões: o programa de Ciência Cidadã do INMA e as ligações com o INCC
Conheça essa história de cocriação e união pela ciência. Uma das questões que explicam o pioneirismo do INMA é a tradição da ciência cidadã nas áreas ambientais

Por Gabriel Domingos e Alice Lira Lima Imagem de destaque: Regina Fornaciari/ Imagem ampliada com recurso de IA do Photoshop Apoio: Joana Giacomassa, Karen Sailer e Luan Alves
“Não foi uma linha reta, meio que foi acontecendo”, comenta Natalia Pirani Ghilardi-Lopes, vice-coordenadora do Instituto Nacional em Ciência Cidadã (INCC). Entre 2010 e 2020, várias pessoas que trabalhavam com ciência cidadã, de forma individual, foram identificando suas pesquisas com o tema.
Na Universidade Federal do ABC (UFABC), por exemplo, as pesquisas em ciência cidadã, com foco na educação, emergiram com maior força a partir de 2014. Em 2017, outro ano importante nessa linha de costura, Natalia esteve em Brasília (DF) para um workshop: “foi lá que eu conheci os professores Blandina Viana, Antônio Saraiva e Paula Drummond. A Paula foi posteriormente, quem indicou meu nome para ser supervisora externa do Programa de Ciência Cidadã no INMA”, conta Natalia.
Essa supervisão aconteceu no Programa de Capacitação Institucional (PCI) do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), lançado em 2020 e dentro do qual foi proposto o Programa de Ciência Cidadã. Natalia atuou na orientação dos bolsistas do programa, cada um com um subprojeto de ciência cidadã em especialidades como: aves, anfíbios, répteis, borboletas, água, entre outros. Esse trabalho de supervisão era voluntário e tinha como objetivo a consolidação da ciência cidadã como um campo de pesquisa e de prática no instituto.
Em paralelo, também no final de 2020, Natalia e outros pesquisadores trabalharam na criação da Rede Brasileira de Ciência Cidadã (RBCC), que seria lançada oficialmente em 2021. Os pesquisadores Angelo Loula, Larissa Kawabe, Sheina Koffler, Caren Queiroz, António Saraiva, Blandina Viana e bolsistas do INMA, como Eduardo Alexandrino e Juliana França estiveram na origem da RBCC. “Essas pessoas se uniram para criar a rede como um movimento para fortalecer a ciência cidadã no Brasil. Era uma missão contribuir para que as pessoas que pesquisavam o tema se enxergassem dentro do campo”, conta.
O INMA foi pioneiro em incorporar a ciência cidadã na instituição. O termo está presente no planejamento estratégico do Instituto e fez parte, inclusive, do perfil de vagas do último concurso público para servidores da instituição. Para Natalia, esse movimento é importante por dar um caráter oficial à ciência cidadã como um campo de pesquisa. Missão essa que é compartilhada pela RBCC e pelo INCC.
Uma das questões que explicam o pioneirismo do INMA é porque já existe uma tradição da ciência cidadã nas áreas ambientais. Isso se explica, segundo Natalia, porque a ciência cidadã ajuda na identificação de novas espécies, na prevenção à invasão de espécies exóticas, na verificação de status de conservação e investigação de outras lacunas de conhecimento, as quais podem ser preenchidas a partir de dados gerados pela ciência cidadã.

Natalia Ghilardi-Lopes, uma das fundadoras da RBCC e vice-coordenadora do INCC | Foto: Luan Alves
Outro aspecto que dá força para os projetos na área ambiental é o “apelo emocional e afetivo. As pessoas querem e têm apreço por fazer os registros de determinada espécie e contribuir para a sua conservação”, afirma. A pesquisadora reforça esse aspecto humano que faz as pessoas se sentirem bem em contribuir com o processo científico: “isso dá um caráter de força e empoderamento para as pessoas”, afirma.
Um dos fatores que pode fortalecer um projeto de ciência cidadã é o apelo e a relevância do objeto de estudo para as pessoas que vão atuar e o impacto dos resultados obtidos na melhoria da qualidade ambiental. Um outro fator pode ser o foco em poucas espécies ou em espécies chamativas ou carismáticas. “Quando o projeto foca em poucas ou uma única espécie, tende a ter mais sucesso”, avalia. Contudo, os projetos com esta característica visam, a partir da conservação destas poucas espécies, ajudar a melhorar também o ambiente em que elas vivem e, dessa forma, contribuir para toda a biodiversidade que ocupa o habitat dessa espécie mais carismática.
As conexões estão ficando cada vez mais extensa e fortes. “As pessoas estão fazendo acontecer e estão levando a ciência cidadã para dentro de suas instituições. Vira e mexe somos procurados por outras instituições e pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e cada vez mais as pessoas querem fazer parceria com a gente”, diz.
O projeto Borboletas Capixabas
Esse vínculo afetivo que Natalia descreve também é visto na história de Laura Braga, bióloga responsável pelo projeto Borboletas Capixabas, parte do Programa de Ciência Cidadã do INMA.

Laura Braga, do projeto Borboletas Capixabas
Na adolescência, uma borboleta fez uma crisálida (estágio de pupa na metamorfose de uma borboleta, que é a transição entre a lagarta e o adulto) na sua colcha de cama. Aquele processo foi acompanhado com cuidado por Laura, que continua encantada por elas e, agora, com encantamento compartilhado — e pela ciência.
Essa curiosidade da adolescência se tornou uma iniciativa reconhecida nacionalmente. “Desde nova eu já anotava, fazia desenhos… Com o tempo, percebi que não havia muitos registros organizados sobre a diversidade de espécies no Espírito Santo. Foi aí que surgiu a ideia de transformar essa paixão em um projeto coletivo”, conta.
Criado em 2022, o Borboletas Capixabas busca engajar a sociedade na geração de conhecimento sobre a composição e distribuição das espécies de borboletas no Espírito Santo. A estratégia foi usar uma ferramenta próxima de todos, o Instagram. Os participantes compartilham registros fotográficos, a equipe científica valida as informações e organiza os dados. “Hoje temos mais de dois mil registros enviados por cientistas cidadãos, que nos ajudam a mapear a ocorrência de espécies em diferentes regiões do estado”, explica Laura.
Para engajar participantes, as estratégias incluíram cartazes, divulgação em palestras, atividades escolares e postagens. Aos poucos, o alcance foi crescendo também por meio de indicações. Para conhecer melhor quem participava, ela aplicou questionários e viu que há um perfil predominante: “a maioria é de mulheres, principalmente na faixa de 30 a 50 anos, mas temos todas as idades representadas”.
Professores, estudantes, fotógrafos amadores, moradores do interior e até grupos escolares passaram a fazer parte. Para a bióloga, essa diversidade é o que dá força ao projeto. “Tem gente que nunca tinha pensado em observar borboletas, mas começa a participar e passa a olhar o ambiente de outra forma. A pessoa aprende, ensina e se sente parte da ciência”.
Além do engajamento nas redes sociais, o Borboletas Capixabas também tem foco na educação científica na escola, trabalhando com projetos cocriados com os estudantes a partir de uma metodologia estruturada.
Conservação da Mata Atlântica
Diversos registros inéditos ampliaram o conhecimento sobre a fauna local e fortalecem ações de conservação da Mata Atlântica. “As borboletas são excelentes bioindicadores. Quando conseguimos identificar uma espécie rara em determinada área, isso ajuda a direcionar esforços de preservação. É a ciência cidadã contribuindo diretamente para a conservação”, destaca.

A cientista cidadã Regina Fornaciari
Entre as histórias que se destacam, Laura cita a cientista cidadã Regina Fornaciari, participante engajada e apaixonada pelas borboletas. “Ela começou a fotografar borboletas no quintal de casa e agora já fez centenas de registros. É inspirador ver como a ciência cidadã transforma a relação das pessoas com a natureza”, comenta.
Sobre a atuação do INMA, Laura comenta que é sem dúvida, um berço da ciência cidadã no Brasil. “Estar dentro de uma instituição que valoriza e apoia esse tipo de iniciativa dá legitimidade, amplia o alcance e mostra que a sociedade pode, sim, ser protagonista na produção do conhecimento científico”.
Superar o medo de larvas para contribuir com a preservação
A cientista cidadã citada por Laura, Regina Fornaciari, de Cariacica (ES), também se encantava pelas borboletas, mas tinha medo da fase de lagartas. Dona Regina lembra que a mãe plantava flores e ela gostava de observá-las no jardim.
O contato mais próximo aconteceu em 2022, quando começou a fotografar e postar no Instagram, incentivada pela filha. Logo conheceu o projeto Borboletas Capixabas e passou a mandar registros para Laura, que a ajudava a identificar as espécies. “No começo, eu não sabia direito, pesquisava na internet, mas não tinha certeza e a Laurinha identificava. Hoje já consigo reconhecer várias espécies sozinha”, conta.
Com o tempo, o jardim de Dona Regina se transformou em um espaço de cuidado e aprendizado. Ela passou a deixar as plantas crescerem naturalmente, sem arrancar aquelas que servem de alimento para lagartas. Também começou a acompanhar o ciclo completo. “Já consegui filmar a hora de sair da crisálida. Acordava até de madrugada para tentar ver. Quando acontece, é uma alegria enorme”, descreve.
Aos poucos, o medo virou convivência. “Ainda tenho receio das lagartas, mas hoje consigo olhar, pegar a folha onde elas estão. Com a borboleta não tem problema, pego na mão. Aprendi a cuidar de tudo que faz parte e agora planto até espécies de plantas que elas gostam”, afirma.
Os netos de Dona Regina também passaram a compartilhar esse gosto e todos em casa sabem respeitar o jardim. “Quando viajo, deixo avisado: tem três borboletas para nascer, cuidem delas”, brinca.
Nas redes sociais, ela compartilha fotos e vídeos, adiciona informações sobre as espécies e troca ideias com outros participantes do projeto. “Fico feliz por contribuir com a ciência. O meio ambiente está tão devastado, a gente precisa cuidar. Quem olha meu quintal pode achar bagunçado, mas é o que as borboletas precisam. Cada coisa tem importância”, reflete.
A rotina de observação também se tornou uma forma de bem-estar para a cientista cidadã, que já foi professora, é dona de casa e cuidadora. E quem sabe, no futuro, poderá até se tornar bióloga – algo que ainda está em avaliação. “Todo dia de manhã o meu trabalho é esse: fotografar, olhar o que nasceu. Não tem estresse, não tem problema. Eu acho que, se mais pessoas estivessem conectadas com a natureza, teriam menos problemas de saúde”, diz.
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