Evento destaca plataformas abertas e infraestrutura colaborativa na ciência cidadã
A 6ª edição do ciclo de webinários “Diálogos em Ciência Cidadã” reuniu pesquisadores e apresentou plataformas iNaturalist, eBird e Visão

Por Alice Lira Lima | Apoio: Joana Giacomassa, Luan Alves e Karen Sailer
Quais os tipos de plataformas abertas e infraestruturas interoperáveis vêm sendo utilizadas na ciência cidadã no Brasil? O tema, que é de interesse de pesquisadores de diversas áreas, foi apresentado na 6ª edição do ciclo de webinários “Diálogos em Ciência Cidadã”, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Ciência Cidadã (INCC). O evento, transmitido ao vivo pelo YouTube na última quarta-feira (2), reuniu especialistas para expor ferramentas tecnológicas de mapeamento, catalogação e compartilhamento de dados, com foco na importância da ciência aberta e da governança dos dados.
Mediado por Allan Yu Iwama, engenheiro ambiental e doutor em Ambiente e Sociedade, o webinário, que teve como tema “Tecnologias e Infraestruturas na Ciência Cidadã”, mostrou as infraestruturas tecnológicas iNaturalist, eBird e Visão, bem como os objetivos, a usabilidade e a abertura das ferramentas para a pesquisa.
A primeira apresentação foi de Clara Baringo, mestre em Gestão Ambiental, que atua no Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBr). Com experiência em pesquisa, gestão e padronização de dados de biodiversidade, ela apresentou o SiBBr – plataforma on-line, coordenada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), lançada em 2019, gratuita e de acesso livre, que integra dados de coleções biológicas, projetos do setor privado, licenciamento e iniciativas de ciência cidadã. A pesquisadora destacou dois projetos que alimentam a base de dados: o iNaturalist e o eBird, que juntos representam cerca de 50% dos registros de ciência cidadã brasileira agregados no SiBBr (aproximadamente 17,5 milhões do eBird e 1 milhão do iNaturalist).
Passados seis anos desde a criação, o número de registros na plataforma já triplicou. “Os principais benefícios da ciência cidadã na biodiversidade são aumento no engajamento social, estímulo à participação da sociedade no monitoramento e conservação da biodiversidade, valorização do conhecimento local e tradicional, integração de saberes diversos e reconhecimento das observações e projetos das comunidades. Além disso, fortalece a rede de conhecimentos, trocas entre pesquisadores, cidadãos, coordenadores, gestores, amplia o número de registros e também contribui para políticas públicas”.
Um exemplo do resultado desse trabalho foi o relatório apresentado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, que utilizou mais de 22 milhões de registros da plataforma. Além de contribuir para catalogar, essa iniciativa ajudou a identificar lacunas de informações relacionadas à biodiversidade. Por isso, como aponta Clara, o apoio tecnológico é fundamental para ampliar as ações de ciência cidadã. No SiBBr, qualquer projeto de ciência cidadã relacionado à biodiversidade pode ser cadastrado. O processo é simples e permite incluir informações como formas de participação, responsáveis, dados coletados, licenças e há suporte para treinamento online. A pesquisadora recomendou ainda que os dados publicados privilegiem fontes nacionais, pelo fortalecimento da ciência aberta brasileira.
Usabilidade das plataformas
A plataforma tem filtros para que seja possível selecionar os registros por tema ou localização, por exemplo. Esses e mais detalhes foram apresentados em seguida, por Keila Juarez, mestre em Ecologia e doutora em Biologia Animal, com experiência em políticas públicas na gestão da biodiversidade no Ibama e Ministério do Meio Ambiente. A pesquisadora fez demonstrações práticas do uso da plataforma SiBBr: como visualizar iniciativas, cruzar dados de fontes diversas para apoiar pesquisas, cadastrar um registro e ainda explicou a importância dessas interações.
Como exemplo, Keila apresentou registros da raia, espécie criticamente ameaçada, e a contribuição dos dados catalogados de ciência cidadã para preencher lacunas temporais e geográficas. Utilizar e expor essas informações, no entanto, também exigem cuidados no desenvolvimento dessas ferramentas, como “não expor coordenadas para espécie ameaçada ou plantas, como a orquídea”, explicou a cientista. Essa atenção é necessária para a proteção de espécies vulneráveis que podem ser alvo de coleta predatória ou outras ameaças.
A última palestrante, Nathaly Leite, mestre em Ciência da Informação e bacharela em Arquivologia pela Universidade de Brasília, integra desde 2018 a equipe do sistema Visão, desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict). Nataly o apresentou como um instrumento de ciência aberta para visualização geoespacial, de forma dinâmica, e catalogação das iniciativas locais de ciência cidadã.
Durante a pesquisa que motivou a criação da ferramenta brasileira, o grupo observou que outras plataformas internacionais, como as da Espanha e dos Estados Unidos, também lidam com desafios semelhantes de localização e governança. “Conseguir visualizar as iniciativas de ciência cidadã locais é fundamental para fortalecer a participação e promover um uso consciente dos dados”, comentou.
E por que ciência aberta em uma ferramenta de visualização de dados em mapas? “Justamente para dar essa característica de repositório. A gente fez um mapeamento de todas as instituições no Brasil que publicam dados abertos com característica geoespacial e criou um repositório centralizado e aberto para que as pessoas que utilizam o Visão possam, além de usar os dados que coletou na própria pesquisa ou no seu contexto, possam mesclar com conjuntos de dados abertos de instituições de pesquisa”. Ainda é possível complementar ou criar um novo conjunto de informações, de modo a dar continuidade àqueles que já foram ali publicados.
A ferramenta, criada em 2020, também procura ser útil à tomada de decisão e à gestão de políticas públicas. Por isso, por meio dela, é possível apresentar os dados de maneira dinâmica, criar redes de gestão e compartilhamento de dados que podem se tornar indicadores, além de fazer integração com a plataforma de ciência cidadã Cívis.
Ciência aberta e segurança
Ao longo do evento, os participantes interagiram com perguntas e comentários que reforçam a relevância das tecnologias apresentadas. O webinário destacou também a importância de discutir licenças e cuidados com dados sensíveis, especialmente os relativos a comunidades tradicionais e espécies ameaçadas. Sobre isso, o mediador Allan Yu enfatizou a necessidade de se pensar em “sistemas de governança” e questionar como vai ser utilizado o dado coletado para garantir seu uso ético e responsável. Para ele, é essencial que quem vai usar esse tipo de dado já preveja ‘quem, para quê, quando e como’ vai ser utilizado.
A palestrante Keila explicou que existem diferentes tipos de licenças que operam nas plataformas apresentadas, as quais são usadas de acordo com a finalidade, sempre com a atenção de não expor ou tornar vulneráveis comunidades, espécies, entre outras. Clara Baringo acrescentou a importância do diálogo constante para entender quais tipos de dados podem ser publicados. Como foi falado na conversa, esse tema merece atenção e um diálogo contínuo para entender as necessidades do país e como as possibilidades tecnológicas podem atendê-las.
Assista ao webinário
Ciclo “Diálogos em Ciência Cidadã”
O ciclo de webinários “Diálogos em Ciência Cidadã” é promovido pelo INCC em parceria com a Rede Brasileira de Ciência Cidadã (RBCC) e conta com o apoio da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).