Como estão os corais no Brasil? Projeto de ciência cidadã ajuda a monitorar os recifes
Na semana do Dia Nacional do Mar (12/10), conheça o #DeOlhoNosCorais, que mostra como cidadãos ajudam pesquisadores a identificar ameaças, acompanhar e desenvolver estratégias de conservação

Por Alice Lira Lima, com apoio de Joana Giacomassa, Karen Sailer e Luan Alves
Foto de destaque: Erika Beux | @erikabeux
Eles parecem jardins submersos, devido às cores e formas que chamam atenção, e encantam mergulhadores, turistas e cientistas. Os corais são seres vivos, que se alimentam e reproduzem, e representam apenas 1% do fundo marinho, mas sustentam cerca de 25% de toda a biodiversidade dos oceanos. O terceiro maior sistema de recifes do mundo é brasileiro, de acordo com uma pesquisa feita por um grupo de cientistas do Brasil, Itália, Alemanha e dos Estados Unidos, publicada na Revista Nature. São berçários para peixes, fonte de sustento para comunidades costeiras, barreiras naturais contra a erosão e forte atrativo turístico.
Esse patrimônio natural está sob risco. Ondas de calor marinhas, poluição e sobrepesca têm levado a episódios cada vez mais frequentes de branqueamento – o que acontece quando os corais perdem suas algas simbióticas, ficam esbranquiçados e podem morrer. Entre 2016 e 2023, o Brasil já enfrentou quatro eventos severos desse tipo, com perdas significativas de biodiversidade. Na semana em que se comemora o Dia Nacional do Mar (12/10), que marca a relação do país com seus ecossistemas marinhos, o #DeOlhoNosCorais é um exemplo de ciência cidadã aplicada a um dos ecossistemas mais ameaçados do planeta. O projeto envolve diversos públicos, que podem participar ativamente das pesquisas e ajudar a proteger os corais.

Professor Guilherme Longo em meio aos corais do RN | Foto: #DeOlhoNosCorais
Responsável pelo projeto, o biólogo Guilherme Longo, membro da Linha 1 (Coprodução e Engajamento Social em Iniciativas de Ciência Cidadã) do Instituto Nacional de Ciência Cidadã (INCC) e professor do Departamento de Oceanografia e Limnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), conta como tudo começou e destaca os resultados positivos já alcançados devido ao apoio de cientistas cidadãos.
“Nós ficamos surpresos com o engajamento e impacto da iniciativa. Rapidamente tivemos contribuições ao longo de toda a costa brasileira, durante eventos de branqueamento e até durante a crise do óleo. Acho que um dos resultados mais significativos foi a detecção de uma espécie invasora nos litorais potiguar e pernambucano, ambas feitas por diferentes cientistas cidadãos, e que desencadearam ações de controle dessa invasão na escala estadual e na federal”, comemorou o pesquisador.

Exemplo de casos de branqueamento. Foto: Guilherme Longo
#DeOlhoNosCorais: como começou e o desenvolvimento
A curiosidade de Guilherme Longo pelo mar começou cedo e duas coisas foram decisivas: conhecer a reserva biológica Atol das Rocas e o curso de mergulho que fez. “Fiquei fascinado por aquele mundo todo ‘escondido’ sob a água do mar”, lembra.
Em relação aos oceanos, muita coisa mudou no Brasil nos últimos anos. Segundo o pesquisador, embora a gravidade da situação do aquecimento tenha avançado, o conhecimento também teve muitas conquistas e mais pessoas interessadas no assunto.
“Hoje temos mais informações, mais pesquisadores e projetos. O ponto negativo é que desde 2016 tivemos outras três ondas de calor severas que causaram mortalidade muito significativa dos corais. Agora sabemos que perder corais significa também perder peixes associados e outros benefícios importantes como o turismo, temos previsões de mudanças de distribuição e das interações ecológicas entre organismos”, detalha. A equipe usa então essas informações para estimular soluções e mudanças de comportamento.

Litoral do RN: o turismo é uma das atividades que envolvem os corais. Foto: #DeOlhoNoCorais
Foi nesse contexto de urgência que surgiu o #DeOlhoNosCorais, uma rede nacional de monitoramento colaborativo criada em 2016. A ideia, explica Longo, era dupla: comunicar a ciência como processo, mostrando incertezas, erros e acertos; e engajar a sociedade, permitindo que qualquer pessoa fotografasse ou filmasse corais e compartilhasse o material com a hashtag e a localização.
A estratégia deu certo e diversos registros passaram a chegar de toda a costa brasileira, que mostram exemplos de branqueamento e também em crises como a do óleo, em 2019, quando manchas de petróleo cru atingiram mais de 2.000 km do litoral do Nordeste, causando impactos duradouros no ecossistema e na fauna.
O projeto se apoia em múltiplas frentes. Nas redes sociais, alcança mergulhadores, jovens e entusiastas do mundo marinho. Já no Museu dos Corais, que fica em Maracajaú (RN), o público é formado por turistas e estudantes. Além disso, há atividades com mergulhadores recreativos e até técnicos de órgãos ambientais. “Eu vejo o engajamento como uma relação humana. Não tem receita de bolo. A gente precisa ouvir e conectar para dar certo”, resume Longo.
Participação de cientistas cidadãos
O resultado desse trabalho é visto dia a dia. A descoberta no litoral do RN, por exemplo, citada por Guilherme, contou com a bióloga, fotógrafa subaquática e instrutora de mergulho Erika Beux. Ela registrou colônias do coral-sol em um naufrágio. Esse acontecimento a aproximou da equipe de pesquisadores. “Um tempo depois, o professor Guilherme entrou em contato comigo e me convidou para participar das expedições de pesquisa. Foi uma experiência maravilhosa e aprendi muito com a equipe do #DeOlhoNosCorais”.

Cientista cidadã Erika em mergulho com grupo no litoral potiguar
Em seu perfil e na rotina profissional, Erika incentiva as pessoas a serem cientistas cidadãs e ajudarem os projetos. “Saber que minhas fotografias contribuem para a ciência e para a preservação da natureza é um sentimento de imensa realização. É como se cada foto tivesse um propósito maior: transformar a beleza que vejo em informação, em conscientização e, principalmente, em ação”.

Corais registrador por Erika | Foto: @erikabeux
Outro cientista cidadão cuja atuação tem gerado resultados importantes para a preservação dos corais é o fotógrafo Max Glegiston. Na sua rotina com fotografia subaquática, ele tem muito contato com biólogos. Em algumas conversas, percebeu que já havia visto ou fotografado algumas dessas espécies citadas por eles e que poderia, assim, contribuir com o trabalho.

Detalhes do coral-sol registrado por Max Glegiston
“Quando fotografei o coral-sol em um dos naufrágios de Recife, o Virgo, procurei quem poderia confirmar e o #DeOlhoNosCorais me respondeu prontamente, confirmando a espécie. Desde então, fotografo e contribuo com as pesquisas”, conta Max.

Naufrágio Virgo (PE), afundado no início de 2017. Foto: Max Glegiston
Ciência cidadã e tecnologia
Um dos avanços mais inovadores do projeto foi transformar as milhares de fotos enviadas pelos cidadãos em um banco de dados científico, usado também para treinar modelos de inteligência artificial. Em 2023, a equipe publicou na revista PeerJ um estudo que descreve como essas imagens passaram a compor um conjunto de dados de mais de 1.400 registros, com bilhões de pixels anotados e categorizados.
Com esse material, foram testados modelos como redes neurais voltadas para visão computacional. No processo, a máquina aprende a reconhecer padrões de corais a partir de imagens já identificadas pelos cientistas e, depois, consegue classificar automaticamente novas fotos. Como mostra o estudo, a IA alcançou até 86% de precisão e reduziu em quase 200 vezes o tempo de análise, custando apenas 1% do valor do processamento manual.
É importante lembrar que o apoio da ferramenta e a automação não significam substituir o trabalho humano, mas ampliar sua escala. Os cidadãos continuam enviando registros, os cientistas seguem validando os resultados e, nesse processo, a inteligência artificial ajuda a organizar e processar o grande volume de dados.
Outra frente é o uso de modelos 3D, que permitem tanto análises científicas detalhadas quanto impressões utilizadas em exposições educativas. O laboratório também emprega abordagens moleculares e genéticas para entender quais espécies de algas associadas aos corais são mais resistentes ao aumento da temperatura.

Registo do #DeOlhoNosCorais
O futuro dos recifes
Comunicar a importância dos recifes exige esforço. “É um desafio diário mostrar para as pessoas, mesmo as que moram distantes do mar, que há uma floresta toda embaixo da água que nos dá benefícios que vão da praia no fim de semana, dos peixes que comemos, ao ar que respiramos”.
Apesar das questões que preocupam em relação à vida marinha, o pesquisador mantém o otimismo. “Os recifes não vão desaparecer, eles vão mudar. Isso é certo. Já sabemos quais caminhos eles podem tomar caso a gente não aja. Agora é nossa vez de decidir se vamos lidar com essas mudanças ou não”.
O maior entrave, porém, ainda é a falta de recursos. Manter redes sociais ativas, museus e ferramentas digitais exige equipes qualificadas e financiamento contínuo. “Sem apoio financeiro, os projetos acabam ficando restritos em escopo, alcance e impacto”, reconhece.
Contribua com o #DeOlhoNosCorais
Todas as pessoas podem contribuir com o monitoramento dos recifes brasileiros: basta registrar fotos ou vídeos de corais e compartilhar com a hashtag #DeOlhoNosCorais. Cada imagem pode ser essencial para entender, proteger e preservar a vida marinha do Brasil.
O fotógrafo e mergulhador Max Glegiston lembra a importância desse apoio. “Sempre reforço o quanto é importante a colaboração com os pesquisadores. Nós, que mergulhamos frequentemente, temos muito mais chance de registrar uma situação e contribuir com material para ampliar o conhecimento. Fico feliz em transformar uma paixão, que é a fotografia, em uma contribuição real e palpável para a conservação e para a ampliação do conhecimento sobre a vida marinha”, incentiva.

Os registros contribuem com a ciência e com a preservação da natureza. | Foto: @erikabeux
Sobre o INCC
O Instituto Nacional de Ciência Cidadã (INCC) visa promover o avanço do conhecimento científico e tecnológico, de caráter inter e transdisciplinar, para o desenvolvimento, a inovação e a disseminação de conceitos, práticas, metodologias e usos da Ciência Cidadã no Brasil. A instituição executora, e também sede do projeto, é o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict). A iniciativa conta ainda com um conjunto de instituições colaboradoras, em diferentes regiões do país e do exterior.